A Parábola de Yogod ou como despertar a sua alma em quatro dias

por Akrura Bogéa

despertar da almaUm sonho e despertar espiritual

Quero lhes apresentar Yogod, nosso personagem da historia que se segue. Yogod nasceu numa familia um pouco diferente do convencional. Seus pais meditavam, eram vegetarianos, gostavam de música, especialmente de mantras e seguiam as orientações de um mestre espiritual da India. Seus pais tentaram lhe ensinar o que aprendiam…que todas as religiões deviam ser respeitadas, que as pessoas todas, por mais estranhas que pudessem parecer, eram buscadoras de uma conexão com o Ser, e que este Ser estava dentro de cada um de nós. Ensinaram alguns mantras sagrados, orações, exercícios de concentração, respiração e técnicas de meditação. Levaram inclusive Yogod à presença do Mestre quando Yogod ainda era uma criança.

O tempo foi passando, Yogod foi crescendo, perspicaz, estudioso, inteligente. Percebeu que aquele caminho espiritual não atendia as suas necessidades. Já nos primeiros dias de adolescência, descobriu os prazeres da vida. Yogod se sentia livre para buscar e questionar as religiões vigentes. Acreditava que a religião era uma fraqueza da humanidade, e que essa fraqueza dava margens para manipulações. Sempre se perguntava se Deus criou o homem ou se o homem criou Deus; o que veio antes – a mente ou a matéria? Yogod começou a ter pesadelos na sua adolescência, com ondas gigantes querendo afogá-lo, com terremotos sacudindo a terra, com guerras, aviões caindo, incêndios, tufões e outros tipos de catástrofes. Yogod estudou e graduou-se em Psicologia, fez seu mestrado, seu doutorado. Não podia compreender a necessidade das pessoas de terem uma religião que apontava para um Deus assoberbado. Todos lhe pediam tudo. Saúde, alegria, felicidade, fortuna e uma infinidade de futilidades, principalmente. Yogod se dizia ateu, mas continuava a sua busca espiritual, de uma maneira solitária e a seu próprio modo.

Certa noite para variar, Yogod teve um sonho ao invés de um pesadelo. O seu sonho parecia muito real. Sonhou que estava dentro de uma caverna cheia de cristais e ao seu lado estava uma pessoa que fisicamente era exatamente igual a ele, uma réplica, só que mais puro, mais luminoso, e em seguida, veio a descobrir que era muito sábio e que o guiava através do seu belo sonho, respondendo às suas indagações. Yogod ficou encantado com a caverna de cristais! Ele podia tocá-los, já que os cristais estavam ao alcance de suas mãos. Yogod tocou de leve num dos cristais e imediatamente se viu num campo de batalha sangrenta no meio do exército espartano… Tirou a mão do cristal muito assustado e perguntou à sua réplica o que acontecera.

A réplica pacientemente lhe explicou que cada cristal daqueles registrava uma das vidas pregressas de Yogod. Mas a caverna tinha milhares de cristais!…

-Espere, você quer dizer que cada cristal desses registra uma encarnação minha? -indagou Yogod, rindo e incrédulo.

-Sim. respondeu a réplica luminosa. Essa é uma espécie de caverna de memórias de suas vidas passadas e, como você bem pode ver, são milhares de vidas. Todo e cada ser humano tem a sua caverna de memórias. -sorriu a réplica.

-Não entendo…para que tantas vidas? Uma só já não é o suficiente? -perguntou Yogod atônito.

– Às vezes sim, às vezes não. A vida promove relações, atritos, encontros, desencontros, desejos, realizações, frustrações, pendências e principalmente, tudo o que fica pendente gera um karma para a vida seguinte. O que você chama de vida, é um breve espaço de ”tempo” em que a alma reside num determinado corpo, para esperimentar as coisas terrenas. Depois a alma precisa respirar, descansar, já que as experiências terrenas são muito intensas. A alma mesmo, a rigor, tem apenas uma vida, sem início, sem meio e sem fim. -Disse a réplica de Yogod.

Yogod era um pensador desde criança. Precisava usar as suas ferramentas para pensar naquilo que acabara de ouvir. Passado algum tempo Yogod resolveu tocar em outro cristal. Desta vez se viu montado num cavalo branco, numa paisagem européia, com vários amigos, numa caçada. ‘A sua frente, os cães ofegantes corriam atrás de um javali. Aquilo era tão real, ficou tão intenso e insuportável, que Yogod afasta a sua mão do cristal e leva um certo tempo para acalmar a sua respiração e os seus batimentos cardíacos.

-Uau! Tive outra experiência. -Diz Yogod…

-Eu sei, diz a réplica…providenciando o seu almoço? Caçando num campo europeu, não é mesmo? Perseguindo um javali…

-Como você sabe? Interrompe Yogod. – Quer dizer que você viu tudo o que aconteceu quando eu segurei o cristal?

-Mais que isso! Não só vi, como vivi cada experiência de cada cristal desses com você. -Disse a réplica. Eu sou a sua cópia fiel, que fica do outro lado do véu. Todo esse tempo tento um contato com você.

-Ei…Isso que você está dizendo é muito sério…me confunde…que paciência… você não tem mais o que fazer não? -Indaga Yogod rindo.

-Responda você. -devolve a réplica.

Yogod põe-se a pensar novamente, supondo que aquele ser é o que as pessoas religiosas chamam de anjo da guarda, embora sem asas, uma espécie de guarda costas, que te acompanha e supostamente te protege, onde quer que você vá.

-Ok, meu querido sósia…e essa história da alma, sem início, sem meio e sem fim, como funciona?…Onde ela está?… já que não sinto a presença dela e nem ela faz contato comigo?…-Quer saber Yogod.

-Isso é uma pergunta dificil e uma história mais longa …-Diz o ser luminoso, sorrindo. Não posso falar sobre isso agora, já que o seu despertador vai tocar…Ao despertar, sugiro que você prometa a si mesmo, que será a melhor pessoa nesse dia que se inicia, e que terá o melhor dia da sua vida…Antes de dormir hoje a noite, peça simplesmente para sonhar comigo, se assim o desejar. E continuaremos nossa viagem no mundo onírico…-riu…

Toca o despertador, Yogod percebe que tivera um sonho, um sonho significativo, espiritual, tão real, que ele demora a levantar mais que de costume. Pensa e pensa no sonho, no seu significado, no que ele pode acrescentar, lembra-se da sugestão do ser luminoso e promete que será a melhor pessoa possível nesse dia que se inicia e que esse será o melhor dia de sua vida. Levanta se sentindo diferente de quando fora dormir. Sente-se muito bem, alegre, feliz, embora muito reflexivo. Yogod percebeu que aquele dia fora muito especial, uma vez que ele se sentia totalmente conectado com a sua réplica luminosa com que sonhara na noite anterior e não via a hora de encontrá-la novamente no próximo sonho.

 

O cristal da alma de Yogod (segunda noite)

Yogod faz o pedido para sonhar com a sua réplica, conforme orientado na noite anterior. Mal pega no sono, se vê numa trilha no alto de uma montanha… A paisagem é incomum, com um céu bem azul e luminoso, muitos pássaros gorgeando, uma infinidade de borboletas azuis, até que se vê na entrada de uma caverna de cal. Tudo em volta era branco, com algumas partículas de cal flutuando no ar. Yogod viu a sua réplica luminosa esperando e não conseguiu disfarçar a felicidade que sentia…

-Então, qual vai ser a viagem de hoje? -pergunta Yogod.

-A viagem de hoje será a continuação da viagem de ontem. -diz a réplica.

-Você me perguntou sobre a sua alma, lembra? -Sim, confirma Yogod à sua réplica, que o segura pela mão, levando-o para o fundo da caverna, onde se encontrava mais uma réplica de Yogod, toda coberta de cal.

-Ei! Mas o que é isso? Mais um de nós? Uma estátua de cal? -Quer saber Yogod, atônito.

-Quero lhe apresentar a sua alma, diz a réplica, apontando para a estátua inerte. Sim, ela é e náo é mais um de nós…-sorriu.

-Como assim?…Minha alma é só uma escultura de cal? Por essa eu não esperava! Achei que ela era uma partícula de Deus, um piloto interior, uma imortal com os atributos de Deus. E agora é isso… -decepciona-se Yogod.

-Vê-se que você não é tão ateu assim…-disse a réplica rindo. A alma humana é tudo isso que você falou e muito mais… -complementou. Proponho que você a desperte. Ela está dormindo e inativa, já que ha muito tempo você não dá a mínima para ela. A alma se alimenta de orações, mantras, pranayamas, meditações, bons pensamentos, boas ações e conexões, principalmente. Eis aí um sábio adormecido e, mesmo adormecido e supostamente inativo, ainda assim, sabe de tudo o que se passa no mundo dos humanos, que é o mundo exterior (na maioria das vezes) e sabe tudo sobre o mundo interior, que é o mundo espiritual. Esse é o seu melhor instrumento de conexão. Vou me despedir aqui, já que você não vai mais precisar de mim, por enquanto. Quando você despertar a sua alma, voltarei. Desperte sua alma e você terá tudo ao seu alcance.

Espere, não faça isso! Como assim? Você não pode ir embora assim… Você propõe que eu desperte a minha estátua de cal…quer dizer, a minha alma, mas eu não faço idéia de como fazer isso. -Reclama Yogod, já sentindo falta da presença de sua réplica, a qual ele se apegara.

-É muito fácil e ao mesmo tempo muito difícil. E sim, você sabe como despertá-la. Talvez você tenha esquecido. Gostaría de ajudá-lo, mas não posso. Isso é um caminho solitário, uma meta que pertence a você. Acho que ninguém poderá ajudá-lo. Vim até você para promover esse encontro entre você e sua alma. Despertá-la, cabe a você. Como disse anteriormente, você sabe como fazer, pois essa é a sua meta, a sua missão de vida. Você saberá quando ela tiver desperta, sentirá a presença dela e nunca mais irá questionar sobre a sua existência. -Dito isso, a réplica de Yogod desapareceu.

Yogod se sentiu só, desamparado, esquecido e abandonado, como jamais se sentira, ali diante da escultura de cal, que supostamente era a sua alma adormecida.

-E agora? -perguntava-se Yogod, sem respostas.

Yogod saiu da caverna e viu a linda paisagem em volta, que nem percebera quando andou em direção à caverna. O despertador de Yogod toca.

Ele se sentiu diferente, com o peso de uma terrível pendência, que era despertar a sua alma. Lembrou do que a réplica lhe dissera no seu sonho sobre karma e entendeu ali que essa pendência iria trazê-lo de volta à vida, tantas vezes fosse necessário, até que a sua alma despertasse.

 

Yogod tenta recitar poemas e mantras espirituais…(3a. noite)

Yogod repetiu todo o ritual antes de dormir, para voltar à caverna onde se encontrava a sua alma coberta de cal. Viu-se numa praia paradisíaca e deserta, caminhou tranquilo na certeza de que encontraria o que estava buscando. Não demorou muito e Yogod avistou a caverna, entrou, e lá estava a sua alma, coberta de cal. Yogod olhou fixamente para a sua alma inerte, lembrou dos seus pais e das ”esquisitices”, tipo, cantar o Gayatri mantra até a exaustão…Será que isso despertaria a sua alma? Orar, recitar o poema do mestre dos seus pais, Sri Chinmoy, “O absoluto”, praticar pranayamas, a arte da respiração, meditar, correr…era isso que os pais de Yogod faziam e pareciam tão conectados…Vamos lá, acho que ainda me lembro do Absoluto.

 

O Absoluto

Nem mente, nem forma, apenas existo;

Agora cessaram todas as vontades e pensamentos;

O final da dança da Natureza;

Eu sou aquele por quem busquei…

 

Nesse ponto, Yogod percebeu que uma parte do pó escorregava da estátua para o chão. Só que ele se depara com um problema, não se lembra do restante do poema…

-Espere, se está funcionando, vou tentar o Gayatri mantra, desse acho que me lembro…

 

Aum bhur bhuvah svah

Tat sa vitur varenyam

Bhargo…deva…beva…leva..hummmm…

 

Yogod esqueceu a segunda parte do mantra, porém ele percebe que a sua alma apreciou, já que escorreu mais cal do corpo da estátua para o chão da caverna…Yogod respira lento e profundo, tentando acalmar a sua euforia, que era grande. Teria ele encontrado o caminho do despertar da sua alma? Concentrou-se um pouco, tentou uma meditação ainda que incipiente, e quando abriu os olhos, viu que sua alma estava mais limpa. Viu que por baixo do cal havia alguns pontos de luz dourada que emanavam do corpo da estátua. Yogod sorri, e diz para si mesmo: -É, acho que estou no caminho certo… -o despertador toca e Yogod acorda.

-Hoje tenho que me preparar para logo mais à noite… -Propõe-se Yogod e vai atrás do poema O Absoluto, do gayatri mantra, dá uma lida no livro 222 técnicas de meditaçâo, de Sri Chinmoy, recita o poema, entoa o mantra, lê o livro, vai para as obrigações do seu dia, e, ao cair a noite, Yogod vai dormir cedo e bem mais preparado para despertar a sua alma do que na noite anterior…

O despertar da alma (4a. noite)

Yogod, sonha que está numa linda gruta, com os respectivos cristais incrustados, um regato cristalino, e sua alma, meio luminosa e meio encoberta por um cal remanescente. Yogod tenta lavar a estátua e nada acontece. A água não molha a camada de cal que resta na estátua. Yogod, repentinamente, se lembra da noite anterior, do poema O Absoluto, do Gayatri mantra e da meditação (práticas da noite anterior que deram algum resultado). Senta-se diante da estátua, recita o poema O Absoluto por 21 vezes, entoa o Gayatri mantra completo por 108 vezes, respira lento e profundo por algum tempo e mergulha na meditação, sem medo de ser feliz…Quando Yogod volta a si, está num estado de consciência completamente alterado. Olha em volta e tudo parece tão perfeito… As cores estão mais nítidas, tudo tão harmônico, tão pacífico, tão perfeito…

– E a estátua, lembra-se Yogod, cadê ela? Levanta-se procurando, e nada. Alô! Onde está você? Sai da caverna procurando manter o controle, pois afinal ele não poderia perder novamente sua alma, logo agora que a encontrara, ainda que coberta de cal. Ele a queria muito de volta.

-Ei!!! Você está procurando por mim no lugar errado… -ouviu Yogod, a voz que lhe era familiar…

-Hein? Estou procurando no lugar errado? Pois então me mostre o lugar certo para procurá-la… -Yogod entendeu que aquilo era um jogo de esconde-esconde…

-Volte para a caverna! -Propõe a voz que vinha do seu interior….

Yogod volta para a caverna e a voz interior pede para que ele se sente, acalme a respiração, feche os olhos e se interiorize…Yogod fica completamente maravilhado com o que vê! Sua alma está completamente limpa, toda dourada, um dourado mais intenso que o do ouro! Yogod quer que tudo pare naquele momento em que ele vê a sua alma desperta. O melhor de tudo é que a sua alma ali presente, é a sua réplica, numa versão mais pura, luminosa, bela e perfeita.

– Agora já não precisamos de intermediários… Sou a sua alma desperta, e quando desperto entramos em unicidade perene, sem chave para ligar e desligar a conexão. Estamos conectados para sempre! Agora nós somos um… -diz sua alma sorrindo, e recita o poema ‘O Absoluto’, de autoria de Sri Chinmoy, mestre dos pais de Yogod.

 

O ABSOLUTO

 

Nem mente, nem forma, Eu apenas existo;

Cessaram agora toda vontade e pensamento.

O último fim da dança da natureza;

Eu sou Aquele por quem busquei.

 

Um reino de deleite descoberto, definitivo,

Além de ambos, conhecedor e conhecido.

De um descanso imenso desfruto enfim;

Apenas o uno encaro.

 

Cruzei os secretos caminhos da vida;

Tornei-me a Meta.

A verdade imutável está revelada;

Sou o caminho, a Alma-Deus.

 

Meu espirito sabedor de todas as alturas,

Estou em silêncio no âmago do sol.

Nada barganho com o tempo ou com as ações;

Meu jogo cósmico está concluído.

-Sri Chinmoy

 

-Bravo! -grita Yogod e aplaude a sua alma que se curva, para que os aplausos passem por ela… O despertador humano desperta Yogod do seu último sonho, antes do seu despertar definitivo. A partir desse dia Yogod se tornou uma pessoa iluminada, que levava a sua luz onde ia e no que quer que fizesse.